domingo, 14 de junho de 2015

O VASCO DE ONTEM É O VASCO DE HOJE

"O meu sentimento de vascaíno não está na razão direta das vitórias do futebol" (Antonio Mendes - sócio fundador do Vasco)


Antonio Mendes - Sócio Fundador do Vasco


 Há determinadas horas em que o amigo do passado é o bálsamo ou o estimulante necessário para se compreender o porquê nos tornamos vascaínos. Este é um deles.

 Revelaremos a memória vascaína de um dos pais fundadores do nosso clube em entrevista concedida ao Jornal dos Sports, publicada a 7 de outubro de 1942, quando o clube não passava por seu melhor momento. Confira:

 "Vamos dar a palavra ao senhor Antonio Mendes, sócio fundador do Vasco da Gama.

 Foi um dos heróis que ajudaram a construir a célebre ponte da Ilha das Moças, que representou para o esporte o mesmo feito que Paulo de Frontin, trazendo em seis dias água para a Capital da República.


1898/1899 - Localizada na enseada de São Diogo, defronte ao Hospital da Gamboa -
Até ela foi construída a ponte de tábuas de cerca de cem metros desde a esquina
 da rua Cel. Pedro Alves com rua Santo Cristo (Autor: sócio fundador Leonel Borba)


Planta contendo o litoral original (tracejado azul) e o cais projetado -
a seta aponta o local aproximado da sede da Ilha das Moças (tracejado preto),
local já aterrado desde 1893 com entulho do desmonte do Morro do Senado -
A sede ficava em linha, entre o Hospital da Gamboa e a avenida Pedro II
 (acervo Arquivo Nacional)






 Foi Antonio Mendes quem ajudou a construir a rampa da Travessa Maia, que o mar destruiu horas depois da sua conclusão. Durante quase meio século assistiu à evolução do Vasco da Gama, Conheceu o esporte como recreio e no seu sentido elevado e patriótico.  Assistiu às suas mais variadas metamorfoses, desde o "Mercado das Vaidades" à Escola dos Políticos e desta última ao football profissional, para depois chegar aos nossos dias, onde as competições de mando e as lutas pela supremacia clubista empolgam mais os desportistas que o preparo físico da mocidade, única razão da existência dos grêmios atléticos.


1899 - O primeiro barracão garagem à esquerda foi a segunda
sede do Vasco - Travessa do Maia, atual Praça Mahatma Gandhi


 Não vamos falar aqui do lampião de querosene, do remo de faia ou das pesadas baleeiras de nossos avoengos.

 O passado traz recordações aos velhos e exemplos aos novos. Mas o "Passado" é quase sempre representado por um velho de casaca poeirenta, com longas barbas brancas, uma espécie de Papai Noel, de quem as crianças só querem brinquedos, não desejando vê-lo para não correrem assustadas...

 A voz do "Passado" é sempre a voz da experiência, soturna e cáva na pronúncia, mas sincera e reta nos conceitos.

 Antonio Mendes, o vascaíno do passado, vai falar sobre o esporte do presente, ou para dizer melhor, sobre o Vasco dos nossos dias, enquadrando-o na paisagem esportiva do momento.

 Ei-lo falando aos leitores do JORNAL DOS SPORTS:
 - O clube representa para os desportistas uma espécie de mealheiro onde depositamos diariamente uma pequena moeda. Como nunca retiramos desse pequeno cofre o que lá depositamos, quanto mais anos se passam, mais se avoluma a importância. Os que como eu, passaram pelo Vasco de ontem e vivem o de hoje, dedicando diariamente alguns momentos ao nosso clube, guardam no mealheiro da recordação as mais gratas lembranças, que nasceram na juventude e nos acompanharam através dos anos.


O VASCO DE ONTEM É O MESMO VASCO DE HOJE

 Com a palavra o Sr. Antonio Mendes:
 - Não há diferença entre os vascaínos de ontem e os de hoje. O que se nota é uma transformação natural de ambiente. A evolução transformou o clube e os homens. Os problemas de hoje são mais difíceis. Administrar um clube de 500 ou 600 associados é muito mais fácil que estar à frente de uma organização com mais de dez mil, um patrimônio considerável e uma série de casos a resolver. A evolução do Vasco foi excessivamente rápida. Em pouco tempo passou de pobre a milionário. Essa transformação rápida, dependia, como é natural, de uma organização. Esta só veio mais tarde. Mesmo porque, quando se constrói uma casa, os detalhes e o mobiliário ficam sempre para o fim. Hoje estamos perto da perfeição em matéria de organização. Não invejamos ninguém.


SUBIMOS PELO NOSSO ESFORÇO

 Prossegue o Sr. Antonio Mendes:
 - Os que acompanham a trajetória do Vasco, sócios ou não do clube, devem reconhecer o nosso esforço. Nunca fomos bafejados pela sorte, ou auxílio alheio. No football, o Vasco é o único clube que iniciou a sua carreira na última divisão e lutou durante sete anos para ascender à serie de honra. Em 1916, pertencemos à 3.ª divisão; de 1917 a 1920, jogamos na segunda divisão; de 1921 a 1922, disputamos a série B da primeira divisão; em 1923 ascendemos a divisão de honra.


O MEU SENTIMENTO DE VASCAÍNO NÃO ESTÁ NA RAZÃO DIRETA DAS VITÓRIAS DO FOOTBALL

 Ainda com a palavra o senhor Antonio Mendes:
 - Como vascaíno, regozijo-me com as vitórias do Vasco em qualquer setor esportivo. No entanto, as derrotas nunca me abatem, quando os nossos adversários conseguem triunfos nítidos. Nunca condicionei à minha situação de vascaíno sincero às vitórias ou às derrotas esportivas.

 Os clubes passam as suas fases boas e más, principalmente no que concerne aos esportes. Um clube como o Vasco pode modificar de um instante para outro o seu panorama esportivo. Devemos confiar nos nossos dirigentes, que, mais do que nós, sofrem as consequências da atual situação do quadro de football profissional.

 A diretoria do Vasco é composta de autênticos vascaínos e vem cumprindo com regularidade e zelo a grande missão que lhe confiamos.

 E terminando:
 - É isto o que pode dizer um velho vascaíno, que admirou a administração de Pedro Novaes e jamais regateará aplausos ao Sr. Aranha, um dirigente que procura orientar o clube dentro das normas traçadas pelos seus fundadores."


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Vascainidades:

Histórias do Charuto

"Lá pelos idos de novembro de 1898, acabara o Vasco de se mudar para sua nova sede na Ilha das Moças, junto à Praia Formosa, constituída de um amplo barracão chalet.
Para ligar a ilha à Praia Formosa houve necessidade de construir uma ponte de madeira, que foi feita pelos sócios. Quando a ponte já estava concluída, os policiais rondantes costumavam amarrar ali os cavalos no corrimão. Como o terreno era lamacento, os cavalos obstruíam a pequena passagem seca do local. Num domingo de janeiro de 1899, cheio de sol, o Antonio Mendes(*) apareceu na ilha das Moças de terno e sapatos brancos. Na hora da saída acendeu um charuto e ao chegar ao fim da ponte encontrou um cavalo amarrado. Como não podia passar sem enlamear os sapatos, desamarrou o cavalo e enfiou-lhe o charuto aceso no ouvido. O cavalo saiu numa disparada louca. O policial que de longe assistia aquela cena, vendo a sua montada correndo e relinchando, dirigiu-se ao Antonio Mendes e perguntou-lhe:
- O que fez você ao cavalo?
- Eu, nada "seu" guarda.
- Como é que o animal saiu feito doido? retrucou o policial.
- Coitado! É um animal de sentimento!... Comuniquei-lhe o falecimento da genitora e ele saiu louco. Deve ter ido à casa do Armando Tavares de Oliveira(*) tratar do enterro..."

Zé da Praia(*)

(*)Todos os 3 foram sócios fundadores do Vasco

domingo, 7 de junho de 2015

A EMBAIXADA VASCAÍNA AO VELHO MUNDO!


Há 84 anos, a equipe de futebol embarcava para a primeira turnée de um clube carioca à Europa


Sant'Anna, Fernando Giudice (do Fluminense F. C.), Mario Mattos, Carvalho Leite (do Botafogo F.C.), Jaguaré,
Tinoco, 84, Fausto, Molla e Bahianinho, todos devidamente uniformizados no momento do embarque
no Arlanza,  a 7 de junho de 1931 (Acervo: AlmanakdoVasco - Edição Digital: Memória Vascaína)



Pioneirismo Vascaíno

 Em 1931, a "Era de Ouro" do futebol amador já começava a dar mostras de que não duraria muito mais tempo entre os grandes clubes do Rio de Janeiro.

 O Vasco da Gama já era o maior clube do Brasil com seu magnífico Stadium; com uma equipe que conquistara o campeonato carioca 1929 e que pouco antes da excursão havia promovido a goleada histórica de 7 a 0 sobre o Flamengo; com poderosas guarnições e uma fantástica flotilha que o tornara o maior clube campeão de regatas da cidade; além de ser possuidor do maior quadro social dentre todos os demais.


Mario Mattos no 7 a 0 sobre o Flamengo
26 de abril de 1931


 Na Europa, o jornal espanhol Mundo Deportivo especulava ter o Vasco cerca de seis mil sócios e seu estádio capacidade para oitenta mil espectadores. Os números não eram estes, mas já transmitiam aos europeus a grandeza do "Nosso Vasco". Essa grandeza foi evidenciada de tal forma que a equipe que fez o périplo por Portugal e Espanha ganhou a revanche na segunda partida que jogou contra o já então poderoso Barcelona por 2 a 1.

 A turnée pela Europa, ou como se denominava à época, a Embaixada Vascaína, era um caminho natural que o clube comandado pelo grande presidente Raul Campos havia de perseguir.

  Na passagem desses 84 anos da incrível excursão, relembramos para a memória vascaína mais esse exemplo de pioneirismo e superação que é o nosso Club de Regatas Vasco da Gama.


Charge do jornal Dário da Noite


 A Preparação e o Embarque

 O clube sofreu vários percalços para a realização da empreitada. A falta de datas disponíveis entre a interrupção do campeonato carioca em junho e a realização do campeonato brasileiro de seleções estaduais entre agosto e setembro de 1931; o pedido de licença à AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos); e a cessão de jogadores do Fluminense (Fernando Giudice) e do Botafogo (Nilo e Carlos Leite) para participar da excursão como representantes da cidade, foram fatos relevantes para a viabilidade da excursão, como noticiava o jornal A Esquerda, no dia 30 de maio de 1931:

"A directoria do Vasco da Gama envida os melhores esforços no sentido de conciliar interesses que permittam o embarque do seu team para a Europa, ainda a 8 de junho, depois de jogo com o Bangú

A ida do Vasco da Gama á Europa

 Desde que o Vasco da Gama projectou levar a effeito uma excursão á Europa, com seu quadro principal de football reforçado de alguns elementos de destaque de conjuntos de outros clubs, começaram as pessôas interessadas pela sorte do football carioca a se impressionar com os effeitos da ausencia quasi certa desses excellentes footballers, no seleccionado que terá de defender as côres da cidade, no campeonato brasileiro.

 Marcada, agora, a partida da delegação vascaina, essa impressão transformou-se naturalmente em temor justificavel, ante o prejuizo fatal que acarretaria o desfalque da representação carioca.

 Chegou-se mesmo a indagar, como permittiriam as autoridades sportivas a realização dessa viagem do Vasco da Gama, nas condições apontadas?

 Certamente que os interesses da Associação Metropolitana não poderiam ser preteridos pelos de qualquer de seus filiados, por mais respeitaveis que fossem.

 Attendendo a essas circunstancias o Vasco da Gama traçou um progamma, que lhe permite estar de regresso a esta capital, ainda a tempo, dos players que vão integrando sua delegação poderem fazer parte do seleccionado carioca.

 Podemos, assim, ficar todos descançados, que a excursão do valoroso gremio da Cruz de Malta ao Velho Mundo não comprometterá a efficiência do quadro metropolitano, que terá de defender as côres da cidade no campeonato brasileiro de football."  (grafia original da época)


 A circunstância era a tal ponto adaptada que no dia do embarque no navio Arlanza, o Vasco ainda jogou e venceu o Bangu por 1 a 0, gol de Waldemar.


Vasco 1 x O Bangu - horas antes do embarque


 Formada a delegação no cais da Alfândega da Praça Mauá, contando inclusive com a presença do futuro presidente do Vasco, nosso saudoso historiador vascaíno Rochinha (José da Silva Rocha), este na curiosa função de enviado especial do jornal "A Noite", finalmente às 18 horas o Arlanza levantou âncora, zarpando com a primeira Embaixada Vascaína ao Velho Mundo!




sábado, 6 de junho de 2015

REVISITANDO A PRIMEIRA FOTO!


O primeiro registro fotojornalístico do C. R. Vasco da Gama, no último ano do século XIX, foi publicado com fotos invertidas



As primeiras imagens do Vasco, corrigidas


 Em 30 de novembro de 2012 tivemos oportunidade de resgatar para a memória vascaína o primeiro registro fotojornalístico do Club de Regatas Vasco da Gama, no último ano do século XIX, quando em 16 de setembro de 1900 os pioneiros vascaínos comemoram o 2.º aniversário do clube na então bucólica Ilha do Governador (clique aqui para conhecer).

 As fotos foram reproduzidas naquele artigo conforme publicadas originalmente, apresentando os uniformes com a faixa a tiracolo voltada para a direita, como ficou tradicionalmente lembrado na história. Ressaltamos, porém, que numa das fotos já haveria vascaíno que utilizava a faixa branca a tiracolo para o lado esquerdo do ombro.


A Revisão

 Recentemente, ao rever detalhes das mesmas fotografias, observamos algumas situações fora do conforme, como a posição dos broches e arranjos de flores nos vestidos das damas vascaínas; lenços nos paletós e grande parte das medalhas nos uniformes dos primeiros vascaínos, todos aparecendo do lado direito do peito, como abaixo indicados pelas setas em vermelho.


Imagens publicadas invertidas em 1900


 Como é sabido, tais arranjos são usados convencionalmente à esquerda do peito, o que nos fez concluir que houve inversão das imagens originais.

 De toda forma, em nossas pesquisas obtivemos mais fotografias da casa que localizava-se na Ponta do Quilombo (hoje Base dos Fuzileiros Navais), vista ao fundo de duas fotos dos primeiros vascaínos. Correlacionadas corretamente, demonstram perfeitamente a publicação invertida do primeiro registro fotográfico.


Fotos do sítio do Quilombo na Ilha do Governador


Atualmente é a casa do Comandante da Marinha
na Base dos Fuzileiros Navais na Ponta do Quilombo na Ilha do Governador




A Faixa do Lado Direito do Ombro

 Confirmada a inversão da "primeira foto", resta ainda um senão! Quem seria aquele único vascaíno uniformizado entre tantos, com sua faixa a tiracolo voltada para a direita do ombro?

 Aqui vamos adentrar o campo das hipóteses e suposições, relembrando que nos registros históricos nada é dito sobre essa faixa voltada para a direita.

 Temos entretanto algumas indicações que poderiam elucidar a questão.

 Primeira: é conhecida somente a fotografia que apresentamos com a faixa a tiracolo invertida para a direita,  sendo desconhecida qualquer outra dali por diante.


Vascaíno com a faixa a tiracolo à direita do ombro - 1900


 Segunda: a famosa gravura publicada pelo Jornal do Brasil em 1902, quando do trágico naufrágio da Vascaína, baleeira a doze remos, em que quatro de nossos valorosos remadores perderam suas vidas, mártires em prol do ideal altaneiro, num tempestuoso dia de mar revolto da Guanabara.


A tragédia da "Vascaina" - 1902


 Ali temos o desenho de um vascaíno em pé, de braços cruzados envergando orgulhosamente seu uniforme com a faixa a tiracolo para a direita do ombro, evidentemente baseado no primeiro registro fotojornalístico, uma vez que se desconhece qualquer outra foto, com faixa à direita, dali em diante.

 Na tragédia que se abateu sobre o então jovem "Vasco", veio a falecer seu sócio fundador, Luiz Ferreira de Carvalho, que então patronava a guarnição da Vascaína.




 E a terceira: a visão de simetria que os pioneiros tiveram do pavilhão vascaíno a partir da primeira cisão, quando nossa bandeira foi assim definida com o campo negro, faixa branca iniciada do alto da tralha (haste da bandeira), e a cruz encarnada ao centro, que a torna única, em dupla face, não se podendo falar em verso e anverso quando tremulando ao vento na direção que for!


A segunda bandeira vascaína



A Hipótese - O Patrão da Guarnição!

 Levando-se em conta tais considerações, a hipótese mais provável é de que o único vascaíno habilitado a utilizar-se do uniforme com a faixa invertida não seria outro senão o patrão da guarnição, como demonstra a imagem que retocamos digitalmente para exemplificar.




 Estando o patrão sentado em posição invertida em relação aos remadores, estaria com a faixa em simetria com os demais.

 Explica-se. Nas regatas realizadas na Enseada de Botafogo, as autoridades e o público em geral assistiam às provas a partir da murada que ali existia naquele tempo. A raia para disputa das provas era em posição perpendicular à referida murada, bem como a visão do público em relação às guarnições. 

 Assim, estaria esclarecida a origem da famosa camiseta negra com a faixa branca à direita.