sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A CANOA VIOLETA E A CRISE SOCIAL VASCAÍNA DE 1901

A curiosa assembleia presidida pelo delegado





   Há exatos 112 anos era batizada e integrada à flotilha a mais nova canoa de 4 remos do Vasco, a Violeta.

   Como não poderia deixar de ser, o Jornal do Brasil eternizava mais uma vez na memória vascaína o festivo momento que contou com a presença do corpo social, atletas, dirigentes, esposas, filhos, parentes e visitantes de outros clubes, ocorrido nos fundos da primitiva sede da Travessa do Maia, no acesso ao mar da praia do Boqueirão do Passeio. Todos celebrando e semeando o futuro daquele que viria a ser o Gigante da Colina, de onde haveria de se tornar dali a 4 anos o club de regatas mais poderoso do então Distrito Federal.

   Naquele tempo a gestão administrativa era de 1 ano de mandato.  A assembléia geral eletiva para o período 1900/1901 se deu em 26 de agosto, tendo assumido a presidência do clube, a 9 de setembro de 1900, o sr. Leandro Martins, laureado empresário português do ramo de móveis finos, cujo nome foi dado à rua transversal do quarteirão da rua Camerino - onde residiu - com o Colégio Pedro II.  É o único ex-presidente vascaíno que detém tal honraria no centro do Rio de Janeiro.*

   No entanto, apesar dos frutos positivos que ali se estavam plantando, grave crise social – a segunda em menos de dois anos – grassava entre os vascaínos e seus dirigentes.

   Segundo José da Silva Rocha (Rochinha), na sua obra mestre sobre a história vascaína, pretendeu o então presidente, face às debilitadas finanças do clube, otimizar a cobrança de mensalidades, elevar o quadro social, aumentar a receita, bem como introduzir a instalação de luz a gás ou elétrica no recinto da antiga sede.

   Quis a visão do então empresário e presidente - que por amor e paixão permitia que a flotilha do clube fosse sempre reparada pelos carpinteiros de sua fábrica de móveis - implementar também a redução dos cargos eletivos e diretivos do clube, imaginando dinamizar a administração do Vasco.

   Promoveu então a reforma estatutária que conduziria à segunda cisão no clube, onde obteve autorização de uma assembléia realizada às vésperas do natal de 1900 (23 de dezembro), cuja proposta suprimiria vários cargos eletivos da diretoria administrativa - dentre elas a de maior destaque: a diretoria de regatas, além do conselho fiscal então composto por 5 membros, mantendo-se somente os cargos de presidente, secretário, tesoureiro, e 3 componentes com função de suprir os diretores em suas faltas e presidir a Assembléia Geral, com imediata execução estatutária.

   Valendo-se do incauto momento de apoio, Martins obteve a aprovação de tal proposta, gerando uma grita geral daqueles que sustentavam ser um disparate a designação de membros suplentes com a função de presidir as Assembléias, órgãos soberanos universalmente integrado de poder de indicar quem os havia de presidir e dirigir.

   A reação dos opositores da medida foi colossal, em especial do grupo do sócio-fundador José Lopes de Freitas (Zé da Praia), então diretor de regatas, aliado a Lourenço Torres, Carlos Fonseca e de outros nomes contrários à modificação estatutária. Perseguições e punições disciplinares foram aplicadas a diversos opositores que não se dispunham em concordar com o ocorrido.

   A diretoria no entanto continuava a agir e trabalhar. No dia anterior ao batismo da canoa Violeta, foi promovida nas dependências da sede, a apresentação das escolas de natação e ginástica, esta última a cargo do prof. Guilherme Herculano de Abreu.  Surgiram dessa festa os precursores dos aqualoucos, famosos entre os sócios vascaínos até os anos setenta do século passado.

   A oposição acedia freneticamente em reuniões ocorridas no antigo Largo do Passeio, defronte à Travessa do Maia (na atual praça Mahatma Gandhi).  Lograram os mesmos convocar uma assembléia para o dia 24 de fevereiro, com intuito de reverterem a punição aplicada pela diretoria a um sócio, conforme faculdade estatutária.

   Sucedeu que, a pedido da presidência do club e surpresa da oposição, surgiu na assembleia o bacharel Vital de Mello, Delegado de Polícia.

   Rochinha nos conta que tendo o sócio Lourenço Torres tomado a palavra, arguiu com espanto a presença do referido delegado, numa reunião que tinha como propósito a deliberação sobre a vida interna do clube.

   Certo é que a presença do indigitado agente da lei tinha por objetivo intimidar os presentes, mas o tiro saiu pela culatra, tendo o sócio suspenso, Alfredo Corte Real, reavido suas prerrogativas sociais por decisão subseqüente daquela assembleia.

   Por conta dessa situação, o "lider" dissidente Lourenço Torres propôs também que a Assembleia considerasse acéfala a administração do Vasco, por faltar à organização daquela gestão a indispensável legalidade, contrária que era aos estatutos vigentes!

   O delegado-presidente ou presidente-delegado, sem outra alternativa, colocou a proposta em votação, restando aprovada por 90 votos favoráveis contra apenas 16 aos fiéis a Leandro Martins.

   Estava aberta a segunda cisão no Vasco! 


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*Vascainidades:

 (1) O Paiz - 05/02/1901 - "Bella prova de natação – O bravo campeão cyclista e valente remador sócio do Club de Regatas Vasco da Gama, Joaquim José da Silva (Kean) saiu ás 4 ½ horas da manhã de ante-hontem da sede social, a bordo da baleeira Vaidosa, com o intuito de atravessar a bahia a nado, saindo do forte Gragoatá.

Chegando a esse ponto da partida atirou-se o bravo campeão á agua ás 5 horas em ponto, mas, devido á excessiva violencia da corrente, não pôde realizar seu primitivo plano, indo parar á praia Vermelha, onde chegou ás 8 horas e 25 minutos da manhã, tendo portanto feito o longo percurso em 3 horas e 25 minutos, tendo nadado consecutivamente durante todo esse tempo.

Acomparanharam o arrojado moço as baleeiras Vindicta e Odette, do Club Vasco da Gama.

É digno de applausos o denodado Kean, por essa sua nova prova de valor."


(2) O Paiz – 25/02/1901 - "INDISCRETO" – No Club de Regatas Vasco da Gama houve hontem importante assembléa geral.   Ia se tomar conhecimento de um acto da directoria, que impuzera a pena de suspensão a um dos mais estimados sócios do club.

A maioria era contraria ao acto do presidente e a assembléa promettia, por esse facto, ser tumultuaria.

Reccioso de que degenerasse a sessão em conflicto, o presidente solicitou da 4.ª delegacia um auxílio de policia que garantisse plenamente a ordem.

Compareceram um inspector e duas praças.   Mas a humilde autoridade foi metter-se no recinto onde havia a reunião e foi vaiada pelos rapazes.

O inspector, coitado! enxergou horrores na troça que lhe fizeram os moços, que estavam em sua casa e no direito de tomarem deliberações longe das vistas indiscretas de estranhos, e foi dizer ao Sr. Vital de Mello que a autoridade havia sido desprestigiada.

Os Senhores conhecem esse Sr. Vital de Mello.   É uma pilha electrica, quando se trata do seu prestigio delegacial.   E na queixa do inspector elle sentiu que fôra tambem gravemente offendido.  Concentrou-se um instante e, disposto a fazer tudo raso, se tanto fosse preciso, tomou a ultima deliberação de requisitar da brigada policial uma força de infantaria de 30 praças e mais 10 cavalleiros, armados e pomptos para o maior de espadas.

Depois dirigiu-se ao Club de Regatas Vasco da Gama, onde se apresentou com aquelle ar sorberbo de autoridade que nos lhe conhecemos e promptificou-se a presidir a sessão!

Foi uma assembléa divertidissima.   O Sr. Vital dava a palavra, cassava a palavra.  E quem lhe replicasse soffria aquella terrivel ameaça: Cala a boca ou metto no xadrez!

Tudo isso foi de um comico inesperado, delicioso, tanto mais delicioso quanto a força da brigada estava demorando e, apesar da má cara do delegado, os moços, habituados a lutar nobremente com o mar, não se arreceiavam delle.

D'ahi o ridículo da posição do Sr. Vital, que já gaguejava, irritado, vermelho, furioso porque não podia metter toda a rapaziada no xadrez.

Afinal, a sessão acabou e o Sr. Vital, offegante ainda, foi saindo...

Não houve, entretanto, desordem a registrar agora, porque os sócios do Club de Regatas Vasco da Gama acharam muita graça no presidente eventual.


(3) Nosso amigo Fernando Matta, da NetVasco, a quem deixamos nosso agradecimento, nos lembrou, com razão, que o ex-presidente Cyro Aranha também já foi homenageado por nossa municipalidade com o nome de uma rua no bairro de Vargem Grande (13/10/2013).

*texto originalmente publicado em 26/01/2013 - 16h32m no semprevasco.com

2 comentários:

  1. Henrique, você sabe pq motivo as camisas são completamente pretas? elas não deveriam, neste ano, já ter as faixas diagonais?

    Abraço

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    1. A camisa negra sempre foi o segundo uniforme do Vasco, e o uniforme com a faixa branca a tiracolo era somente utilizada nas regatas oficiais e quadros de honra.

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